Cultura
Nós, os ‘tiranos da chamada diversidade’

Por Eliana Alves Cruz (Colunista do Portal ICL Notícias)
Para desgosto de muita gente, continuaremos…
Sim, caro leitor e cara leitora, nós. Mesmo você, moradora e morador de sei lá onde no Brasil, de ascendência europeia, branco ou branca do mesmo tom alaranjado-refrigerante de Donald Trump. Para ele você é parte da tirania por motivos simples: você nasceu na parte do mundo em que todo e qualquer cidadão é de quinta categoria e, principalmente, você não é ele, não é da família dele e nem mesmo amigo distante dele.
Enquanto quase todo o território nacional brasileiro se divertia nestes únicos dias do ano dedicados a esquecer um pouco as agruras da vida, aqueles momentos que ajudam a recarregar as baterias para seguir adiante, o novo imperador das Américas e professor de Deus fez sua fala ao Congresso do próprio país chocando boa parte dele e sendo aplaudido por outra metade. Uma nação rachada e disposta a implantar o caos absoluto e irreversível no já caótico mundo. “Acabamos com a tirania da chamada diversidade. Retiramos das nossas escolas públicas o veneno da teoria de raça”, disse ele, entre outras falas feitas para serem repetidas por seus papagaios adestrados.
Os vizinhos reacionários do norte estão próximos de nós não apenas geograficamente, mas ideologicamente, pois enquanto os blocos enchiam de confetes as ruas e de glitter as passarelas do samba, Porto Alegre, Curitiba e Juiz de Fora tinham agentes da lei proibindo, agredindo, arrancando sangue de quem estava tentando apenas ser feliz numa festa popular e brasileiríssima. Uma amargura fascista que tentou coibir até a comemoração pela conquista do Oscar.
Tudo está terrivelmente conectado, visto que temos representantes eleitos com votos brasileiros, ganhando seus ricos salários com dinheiro saído dos cofres nacionais fazendo lobby nos Estados Unidos por uma intervenção e sanções daquele país ao nosso. Um patriotismo de conveniência, antidemocrático, perverso e de mão única.
Nós, os “tiranos da diversidade”, estamos incomodando e somos o inimigo a ser abatido não é de hoje. Mais diretamente as populações negras, indígenas e LGBTQIAPN+ estão no alvo há séculos. Aprendemos a lidar com isso de uma forma dolorosa. Temos sequelas em grupo e individuais, mas ousamos reivindicar o que é nosso: o direito de ser.
A novidade em curso é que muita gente que nunca se viu nestes rótulos está tomando o chá de revelação de que não existe ser humano que não imprima uma identidade. Não há existência que vigore desterrada e, o principal, nem toda branquitude é igual e normativa. O “padrão universal” é uma ilusão que se esfarela em ritmo acelerado, curiosamente impulsionada pelas atitudes de quem quer afirmá-la. Se o mundo deve algo a Donald Trump é isto: o fim das hipocrisias e do disfarce das democracias mais poderosas do planeta. Eles estão sendo o que sempre foram para os “tiranos da diversidade”, mas só não via quem não se enxergava nesta prateleira.
Aílton Krenak, este intelectual indígena magistral, sempre fala sobre a ideia de fim de mundo. Já o vivemos de muitas maneiras e em muitas ocasiões. Aceitar a ideia de que o planeta se acabará porque determinada forma de enxergar a vida está agonizando é para quem não sabe em que mundos e em que países (sim no plural) vive.
Existe uma guerra peculiar em curso, diferente de todas as outras da história da humanidade, desde que o capitalismo inventou o racismo, atribuindo a uma cor de pele o destino inescapável da subalternidade e do serviço precário para alimentá-lo; desde que este mesmo sistema viu a necessidade de controlar todos os corpos. Nesta luta é preciso desqualificar, estigmatizar, sufocar.
Ainda enquanto o país todo se vestia com abadás, fantasias, plumas e paetês, 12 homens negros eram chacinados na Bahia, em Fazenda Couto; dois jovens eram alvejados pelas costas, um deles perdeu um rim, está sem condições de trabalhar e com sinais de síndrome do pânico. Fatos perfeitamente alinhados com uma certa nova/velha ordem mundial. Impossível não pensar na fala de Fernanda Torres, mas como pergunta: A vida presta para quem?
No mesmo dia do discurso arrogante e trevoso de Trump no Congresso Norte Americano, Milton Cunha usava os microfones da Rede Globo para uma fala poderosa durante o desfile da Paraíso do Tuiutí, que levou para a avenida a história da primeira travesti brasileira. “Viva a tolerância! Viva a democracia! Viva o humanismo!”
Acabou o carnaval. Apertem os cintos, peguem fôlego e vamos, mais uma vez, à luta. Aceita o fim quem nunca faz em algum momento da sua própria vida (mesmo que fora da festa) um carnaval.

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